Conheça as cores, sons e outras alucinações da Amazônia peruana

Quem desembarca em Pucallpa, uma das principais portas de entrada para a selva do Peru, tem a impressão de que desceu no lugar errado. O trânsito alucinado de mototáxis e o mercado informal nas ruas em nada lembram o principal atrativo da região: a Amazônia peruana.

Por sorte, essa é apenas a porta de entrada. O que vem pela frente, em um dos territórios mais verdes do planeta, é puro deleite para os olhos, os ouvidos e a alma. Essa é Ucayali, uma região com mais de 100 mil km² de pura Amazônia que fica encostada ao Acre, no vizinho Brasil.


Pôr-do-sol na Lagoa Yarinacocha, considerada o centro de uma rede hidrográfica que a conecta com rios importantes da região amazônica peruana

A bela sequência de imagens começa em Yarinacocha, cidade às margens da lagoa de mesmo nome que segue alheia à desordem da vizinha Pucallpa. É nessa lagoa com 20 km de extensão, considerada o centro de uma rede hidrográfica que a conecta com rios importantes da região, que suas águas calmas ditam o ritmo dos próximos dias na selva.

O balanço da canoa de madeira, aparentemente frágil, chega a causar uma certa ansiedade nos forasteiros de primeira viagem pela região. Mas Dario, um jovem de origem shipibo de Nuevo Chicago, adverte: "Essa não vira nunca, é só ter concentração". Tentar concentrar-se sobre aquele pequeno meio de transporte é realmente um exercício complexo, mas a alma logo se aquieta quando a canoa entra pelos canais, lagoas e pequenas ilhas da região. Alucinante.

Se os olhos se enchem de lágrimas só de ver a paisagem natural que se abre a frente, o que dizer dos sons que vem da selva? Melhor não dizer nada mesmo. Apenas ouça-os.

O sol ainda nem pensa em dar as caras em Santa Clara, e as aves já começam a organizar a sinfonia amazônica que vai orientar a trilha sonora do resto do dia. Ao longe, ouvem-se os motores dos primeiros barcos que singram as águas do Yarinacocha com moradores das comunidades isoladas da Amazônia.

Santa Clara é uma comunidade indígena do grupo shipibo conibo que vive às margens do rio Ucayali, um afluente do rio Amazonas, e se mantém com os poucos recursos obtidos da pesca, da agricultura e das belas cerâmicas feitas por cuidadosas mãos femininas. Utimamente, os habitantes também acrescentaram o turismo vivencial às opções de renda.
Os visitantes passam o dia entre os índios, conhecem seu trabalho artesanal e suas casas simples sem móveis, e provam iguarias locais. E se vão.

Mas a selva continua ali e, quando o sol começa a pintar os telhados das cabanas com tons de laranja mais escuro, os sons são substituídos pela música da noite. Agora é a vez do turno noturno de animais que assumem o comando da melodia seguinte. Vale até a participação especial de um macaco-aranha incomodado com algum som fora de tom.

Ritual xamânico

Só quem passa a noite em Santa Clara, comunidade com pouco mais de 260 habitantes e que ainda vive sem energia elétrica, é capaz de entender a composição completa de notas e imagens que formam a Amazônia peruana. Quando todos os sons já parecem ter sido experimentados, um canto prolongado irrompe a noite: são os ícaros entoados pelo xamã da comunidade.

Essa é mais uma noite de trabalho xamânico com o poderoso alucinógeno Ayahuasca. A tenda de palha, camuflada entre as árvores da selva, já está protegida pela tela branca que, segundo aqueles curandeiros naturais, evitam a fuga das energias positivas captadas durante a cerimônia.

No chão, cachimbo, cigarros e folha de manjericão. Uma luz branca abre o caminho, é a lanterna utilizada pelo xamã a fim de iluminar o local escuro para que os poucos participantes possam encontrar os colchões espalhados pela tenda.

O condutor dá algumas explicações sobre o alucinógeno indígena antes de tragar a primeira dose da bebida escura que desce, amarga, pela garganta para, logo, compartilhar os efeitos que devem começam a surgir nos próximos 30 minutos. Em seguida, um canto forte é entoado em língua shipibo. A floresta parece se excitar e o que vem dali para frente são imagens que nem a natureza selvagem da Amazônia ainda conseguiu materializar.

Segundo David Vásquez, curandeiro da região, a bebida é um aliado utilizado para abrir a porta de visão que facilita os trabalhos do xamã que, em contato com os espíritos, assume poderes sobrenaturais capazes de curar os problemas da alma e do corpo. "Uma vez conectado, somos capazes de visualizar o que a energia das plantas tem para nos dizer", explica Vásquez, que também atua como diretor geral da comunidade Nuevo Chicago.



A cultura shipibo conibo se caracteriza pela variedade de cores e desenhos geométricos das vestimentas

Em Santa Clara, esse remédio natural é preparado de forma pura, misturado com uma planta local chamada chacuruna. Dos 54 litros de água utilizada para sua elaboração, saem apenas dois litros do produto concentrado, o que garante efeitos alucinógenos que chegam a durar até o dia seguinte ao ritual.

"Sinto-me feliz em ver as pessoas depositando sua confiança em nosso trabalho. O que fazemos nada mais é do que compartilhar e demonstrar o conhecimento obtido das plantas através desses rituais", comenta David. Ele compartilha seus conhecimentos medicinais, a Amazônia empresta seu visual e o visitante tem uma das viagens mais alucinantes pelo continente sul americano. Literalmente.

Como chegar


Pucallpa está a 781 km de Lima, capital do Peru. A viagem por terra dura, aproximadamente, 20 horas ou, de avião, 60 minutos.

Informações turísticas em Pucallpa
Dircetur (Dirección Regional de Comercio Exterior y Turismo)
Rua 2 de Mayo, 111.
Tel: (51) (61) 571-303.
De seg. a sex. das 8h às 17h.
www.regionucayali.gob.pe/dircetur

Comunidade Shipibo Conibo de Nuevo Chicago
Os programas turísticos da comunidade incluem hospedagem em cabanas indígenas, pensão completa e rituais xamânicos com Ayahuasca.
Tel: (51) (61) 9619-70483 / dabase68@hotmail.com


Fonte: Uol Viagem

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